Só um treinador de cavalos

A autora dos contos no Hipismo&Co Neyd Montingelli voltou com um lindo conto sobre um garoto que tem um talento especial com cavalos.

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– Serafimmm!
A voz esganiçada e estridente ecoava por aquele lado da fazenda, por cima do milharal. Até os cabritos, os porcos e os cães já sabiam onde estaria o rapaz comprido, branquelo e de cabelo escorrido quando a mãe começava a gritar assim. O cachorro malhado e magricelo agitava-se e saía em disparada para os lados do rio, pois não havia quem agüentasse D. Filó gritando daquele jeito.
O cão encontrava o moço longe, no final da fazenda, perto das árvores velhas de maçãs, como sempre, com aquele cavalo de serviço saltando na sua pista feita de tronco de árvores. A pista até que era ajeitada. O rapaz havia construído obstáculos usando madeira velha e troncos e teve o capricho de pintá-los de todas as cores com restos de tinta da fazenda. Havia também tambores velhos, troncos grandes, muros, morros, depressões, pequenos lagos, uma verdadeira pista de cross country.
Assim que via o cão, montava e os três disparavam para casa. Afinal, a pista era um segredo de anos.
Serafim era filho de um dos empregados antigos da fazenda de criação de cavalos. O menino nasceu ali e viveu em meio aos melhores animais para o esporte. Acompanhava, ajudava no manejo e cuidados com as matrizes, no nascimento, no crescimento, na alimentação, na doma e depois nos primeiros treinos para a venda dos cavalos até 4 anos da escola de equitação. Conhecia as particularidades de cada um e eles o conheciam.
Cada vez que um cavalo fugia, era o comprido Serafim que corriam chamar, pois só ele conseguia com seu jeito especial trazer de volta o fujão. Ninguém entendia.
O patrão andou observando o trabalho do rapaz e percebeu que ele não era só um tratador de cavalos. Ele tinha algo mais. Seu carinho e empatia com os cavalos eram diferentes. Perguntou ao capataz sobre o moço e ele só elogiou. Disse que só Serafim sabia pegar um cavalo fujão, levar o cavalo para a baia, montar sem sela, montar cavalo bravo, e que todos os animais o conheciam.
O patrão ficou curioso. Em um dia de muito trabalho, vários cavalos para doma, muitos alunos na escola, várias pessoas vendo cavalos novos para comprar, ele arriscou. Os cavalos estavam sendo expostos em um galpão e as pessoas ficavam esperando um empregado passar com cada um deles.
Os cavalos estavam em um cercado aguardando a sua vez de entrar. O patrão soltou o mais forte e deu uma palmada nele. O cavalo assustou-se e saiu em disparada, desaparecendo pela estradinha. Serafim estava dentro do galpão e foi chamado. Ele largou o que estava fazendo e perguntou qual cavalo havia fugido, em seguida saiu do galpão e foi em outra direção.
O patrão perguntou o que ele estava fazendo, e os empregados só disseram:
-O senhor vai ficar bobo de ver!
Alguns minutos depois, lá vem Serafim montando um cavalo de trabalho horrível em pelo, com um cabresto velho enrolado no pescoço e um cachorro malhado latindo acompanhando a desenfreada corrida.
-Aonde ele vai? –Pergunta o patrão.
– A gente nunca sabe. – Responde o empregado. – Só que ele sempre traz o cavalo bem mansinho e sem problema nenhum. Ele é uma mão na roda prá gente aqui.
O patrão pega o cavalo que sempre usa na fazenda e vai atrás. É claro que não encontrou, pois a fazenda era muito grande. Algum tempo depois vem Serafim montado no fujão em pelo, como se fosse um cavalo de Hotel-fazenda. Ainda vinha cantando e o cachorro saltando ao lado da dupla. O outro cavalo feio vinha atrás, só seguindo. Assim que vê o patrão, o moço salta do cavalo como um índio em filme americano de TV.
– Como você sabia onde o cavalo estava? – Pergunta o patrão.
– Eu sei aonde os cavalos vão quando fogem. – O rapaz explica.
-Muito bem rapaz. Gostei do seu trabalho. Continue assim. – O patrão elogia Serafim e os dois voltam conversando sobre o cavalo.
O patrão resolveu fazer mais um teste e no dia seguinte bem cedo, soltou 2 cavalos, um dos novos e um dos mais velhos. Um dos empregados viu os cavalos correndo e nem se abalou. Simplesmente andou até o canto do galpão e gritou para os lados da casa do moço, chamando por ele. Em instantes passa Serafim galopando no cavalo arrepiado sem sela com o cão malhado em direção sul. Os empregados continuam trabalhando despreocupados. Desta vez o patrão vai atrás e quando chega ao local secreto do rapaz, fica abismado do que vê.
Um rapaz conversando com 3 cavalos como amigos íntimos. Os cavalos soltos o acompanhavam contente. Ele andava entre os obstáculos e explicava aos cavalos o que era cada um. Passava a outro e explicava. Parecia um instrutor em dia de competição fazendo reconhecimento da pista.
O patrão chegou perto e Serafim levou um baita susto. Os cavalos ficaram inquietos, mas o rapaz assobiou e eles acalmaram-se.
– Mostre-me o que você já ensinou para ele. – Fala o patrão calmamente.
Sem falar nada, Serafim monta no cavalo mais velho, sem sela e começa a passar pelos obstáculos, fazendo uma pista impecável, majestosamente, apesar de calçar chinelos, boné e camiseta. Depois, atira os chinelos e o boné surrado para o lado e passa para a pista de cross country. Veloz e preciso ultrapassa os obstáculos muito concentrado e feliz ao agradar efusivamente o animal no final.
O patrão fica de boca aberta. Não sabe o que falar. Vai até ele e o abraça ternamente.
– Serafim, você é realmente um professor nato. Um anjo Serafim. A minha fazenda estava precisando de um rapaz como você. Os meus cavalos estavam precisando de um treinador como você, com o seu talento e o seu comando com os animais. Então é por isso que os cavalos estão tão bem. E eu achando que esses cavalos nasceram prontos!
A partir daquele dia, Serafim, aquele que era só um tratador de cavalos passou a ser o maior treinador de animais para qualquer tipo de pista. Ganhou uma pista feita por profissionais na entrada da Fazenda que foi batizada com um nome bem sugestivo “Kryjówka” que quer dizer esconderijo em polonês. Quando as pessoas perguntavam o porquê daquele nome, o treinador contava a história com o maior entusiasmo.

Em baixo do nome da pista está escrito:
Amor aos cavalos+dedicação+perseverança+talento=sucesso

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Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.

Fotos: Juliana Ribas
Modelo: Thalison Diego Soares, LadyDover e Bandover