Lá vem o cavalo de Natal

O conto de dezembro da escritora escritora Neyd Montingelli tem o espírito natalino.

nata1

Cavalo de Natal

Wieslaw deu um último nó nas cordinhas azuis que prendiam as bolas vermelhas e esticou os braços para ver o trabalho. É, ficou bem bonito! O cordão comprido foi arrastado cuidadosamente até a porta da pequena casa. Lá fora o cavalo esperava impaciente pelo café da manhã. Ao ver o velho amigo, começa a riscar o chão.

-Calma aí amigão. Já vou arrumar a sua comida. Olha o que eu fiz para enfeitar o seu pescoço nessa semana do Natal! Ficou bonito não?

O velho senhor coloca as bolas de plástico sobre algumas pilhas de garrafas pet cuidadosamente amassadas e empilhadas e retira uns ramos de capim colonião que estão em um barril com água para não murchar. Oferece o capim ao cavalo que saboreia avidamente. Enquanto o cavalo come, ele volta para a cozinha e come um pão seco com um copo de café requentado.

Depois do café da manhã, Wieslaw atrela o cavalo à delicada carrocinha de juntar reciclados e começa a enfeitar o amigo com os adereços que passou a noite fazendo. Bolas de piscina de bolinhas que conseguiu em uma casa de festas, cordões que achou no lixo, vários laços feitos com plástico vermelho e as duas toucas de Papai Noel que comprou na lojinha da esquina. Uma para ele e outra para Pomoc.

E lá foram os dois para o trabalho. Isso porque o velho não pegava outros recicláveis que não fossem garrafas pet e latinhas, ele não deixava o amigo carregar muito peso. O seu trabalho diário era recolher as garrafas e latinhas e afiar facas, tesouras, cortador de grama, arrumar tampa de panela, pequenas soldas. A carrocinha era uma mini oficina.

Disseram que a Prefeitura estava cadastrando os donos de cavalos, queriam fazer um censo. Ouviu rumores que estavam confiscando os cavalos em algumas cidades, para substituir por bicicletas ou moto. Bem, ele não tinha dinheiro para comprar moto, nem sabia dirigir e muito menos tinha a intenção de ficar sem o amigo. Por isso, vivia escondendo-se pelos bairros da periferia.

Pomoc era seu companheiro, seu amigo, nunca mais poderia ficar sem ele. Quando ouviu a notícia, entrou em desespero. O que seria de sua vida?

Ele viu aquele cavalo tornar-se o melhor cavalo do Haras, o maior campeão de salto, havia sido seu tratador por 4 anos. Acompanhava-o nas comitivas em competições dentro e fora do estado, cuidava da alimentação, selava, dava banho, cuidava do armário dos troféus, conversava com ele. Até o dia do acidente.

Em uma das viagens, o caminhão do transporte virou e o cavalo sofreu um esmagamento na perna traseira e muitos cortes pelo corpo. Eles iam sacrificá-lo, ali mesmo na estrada, mas não tiveram coragem. Sedaram o animal e o levaram para o Haras. Wieslaw foi seu enfermeiro até ele voltar a andar e os cortes se curarem. Ele não podia mais saltar. O instrutor que competia com ele ficou desolado. Para não perder o animal forte, e já preparado, foi colocado na escolinha do Haras. Ele saiu-se bem, pois era dócil e atendia gentilmente aos comandos das crianças. Limitava-se a passar as varas no chão, galopar e saltar alturas mínimas de 0,40 ou 0,60m. Wieslaw ficava triste em ver o lindo animal ficar reduzido a um cavalinho triste, devido ao acidente. Tanto é que o dono do Haras não queria que o chamassem pelo nome oficial. Deixou que o tratador mudasse para Pomoc que em polonês quer dizer simplesmente “ajuda”.

Wieslaw terminava suas tarefas e passava o final do dia ao lado do cavalo. Dava banho, escovava, conversava, como antes. Até o dia do segundo acidente.

A neta do dono do Haras estava fazendo suas primeiras aulas e foi montar o cavalo bonzinho. Ela era impaciente e não queria um cavalo lerdo. Queria que ele galopasse vigorosamente. O instrutor chamou a atenção dela várias vezes. Explicou que o salto exige disciplina e para o que ela queria, deveria escolher outra modalidade, talvez o tambor e baliza que são mais ágeis. A menina não queria saber e tirando o cinto, golpeou o cavalo para ele andar mais rápido. Pomoc assustou-se e empinou, e a menina caiu e quebrou o braço. É claro que ela contou uma história diferente, abstendo-se de mencionar o golpe com o cinto. O instrutor relatou como aconteceu o acidente, mas o avô não acreditou e ficou louco de raiva com o cavalo.

Chamou os funcionários e mandou sacrificar aquele “cavalo manco e imprestável”. Wieslaw estava na equipe que iria fazer o “serviço” e na mesma hora foi falar com o chefe, pediu sua demissão e para levar o cavalo embora ao invés de sacrificá-lo. O chefe autorizou e é assim que estão os dois, vivendo juntos há 10 anos, no sítio do tratador, catando  latinhas e garrafas e fazendo pequenos serviços com a carrocinha.

Neste dia, os dois saíram enfeitados para o Natal. Por onde andam as pessoas os cumprimentam, as crianças gritam:

– Olha o cavalo de Natal!

As senhoras saem das casas com as garrafas e latinhas guardadas durante a semana, trazem panelas para consertar, facas para afiar. Todos conhecem o Polaco do cavalo e gostam dele, porque o cavalo é saudável, bem tratado e parece gostar de trabalhar com ele. Não é como os catadores de papel que maltratam os animais e fazem com que eles puxem carroças pesadas e com arreios velhos, ferindo a pele. Aquele não, tudo é novo, acolchoado, a carrocinha é leve e o cavalo é bonito, escovado e bem gordinho.

– Lá vem o cavalo de Natal!

Esse cavalo não precisa ser trocado por uma bicicleta ou moto. Ele gosta de puxar uma carrocinha leve, receber agrado das crianças, ser escovado, banhado, ter um abrigo, comida e água fresca todos os dias.

– Vejam o cavalo de Natal!

O cavalo faz a vida do Polaco ser mais alegre e este será um Feliz Natal como sempre.

nata2

Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.

Fotos: Rafaella Montingelli
Modelo: Cleveland de propriedade da amazona Ana Paula Fadel